Por
Antonio Salustiano Filho (Tonhão)*
Estamos nas proximidades de mais um Natal, a festa da natividade do Senhor Jesus, o Deus que se fez homem na criança frágil que nasceu na periferia do Império Romano, na longínqua cidadezinha de Belém (ou Nazaré?), numa região de rebeldes que se insurgiam contra o Império Romano e a elite Judaica a serviço de Roma; um povo oprimido, porém, na expectativa da vinda do Messias outrora prometido por Deus pelas vozes dos Profetas.
Andando pelo Shopping Center da minha cidade, e outras tantas cidades não são diferentes, percebo que a figura central do Natal não é o Menino-Jesus, sim papai Noel: velhote-propaganda da sociedade de consumo, personagem que deturpou a figura lendária do verdadeiro Papai Noel em nome das compras de presentes promovida pela sociedade de consumo.
Segundo a tradição da Igreja Católica, o Papai
Noel foi Santo Nicolau de Mira, bispo grego do século IV da era cristã[1].
Era costume desse santo-homem dar presentes e ser uma pessoa bastante pacífica
e amigável com crianças.
Na sociedade de consumo atual, o Natal transformou-se numa festa das compensações inconscientes cuja maioria das pessoas, ausentes durante o ano inteiro na vida daqueles que estão “próximos/distantes” agora vão ser presenteadas com um sorriso sem afeto por parte de quem dá presentes. Dar presente[2] hoje é um ato que atende ao apelo do comércio que por meio da publicidade nos faz comprar, comprar e comprar, porque o vazio da vida se preenche com as futilidades criadas e lançadas no mercado como sinônimo de felicidade.
Natal é festa da comilança daqueles que têm poder aquisitivo e se empanturram-se com as guloseimas e outras comidas típicas do modismo atual para este tipo de festa comestível. Come-se feitos porcos gulosos em situações de engorda. Natal é festa da bebedeira sem limites (excetos para o/as confrades da Confraria Santo Onofre[3]) daqueles que não têm controle sobre si e ingerem os líquidos alcoólicos até ficarem bêbados e intoxicados para preencher o vazio da vida.
Não
somos contra a festa do Natal com a ceia típica da tradição religiosa onde a
comensalidade[4], que é uma
prática tão antiga quanto à nossa existência como seres humanos, faz parte da
festa porque é um referencial da vida. Alguém já escreveu que a comensalidade é
tão central à vida humana que está ligada à própria emergência do ser humano
enquanto tal. (...)[5].
Nem sempre realizamos nossas
festas ou banquetes natalinos com esse espírito da comensalidade, pois, “A
comensalidade supõe a cooperação e a solidariedade de uns para com os outros.
Foi ela que propiciou ao ser humano, na transição evolucionária, o salto da
animalidade para a humanidade. (...)”[6].
O Autor a quem nos referimos diz que nossos ancestrais, já na pele de humanos, diferentes dos animais, juntavam os
alimentos e distribuíam-nos entre todos, começando pelos mais novos e pelos mais
velhos e depois ao restante do grupo. Isso o tempo todo e não somente numa
ocasião do ano.[7]
Partilhar era uma prática inerente à vida nos tempos primevos da raça humana.
Essa prática ancestral continua arraigada em nós, porém, o “processo civilizatório” nos transformou em egoístas e desaprendemos a compartilhar. Para aqueles que resgataram ou ainda reservam o gesto da solidariedade, dói muito saber que milhões e milhões de pessoas não têm nada para comer ou repartir na noite de Natal; especialmente no Brasil nesses tempos sombrios de um governo desumano ao serviço de um sistema econômico que mata, como diz o Papa Francisco[8].
Então não adianta
eu e você nos empanturrarmos de comida feitos “porcos em engorda” e bebermos
feitos alcoólatras com nossos iguais se no mundo, e ainda mais no Brasil,
milhões de pessoas não comem e nem bebem nada na noite de Natal, e muitos, passam
fome o ano inteiro porque são miseráveis empobrecidos pelo sistema capitalista,
agora na sua versão neoliberal.
Nós, e aqui me
incluo, não deveríamos ser homens e mulheres desconectados do resto da raça
humana que passa fome por aí. Não podemos ser alheios ao drama dos famélicos,
nossos irmãos. Somos tão responsáveis pela fome do mundo quanto o sistema que a
produz. Aliás, somos coadjuvantes (porque muitas vezes somos omissos) e
cúmplices dos mantenedores desse sistema injusto que gera riqueza para uns
poucos, miséria, fome e morte para muitos.
Então festejar o
Natal neste mundo desigual que ajudamos a construir e o mantemos é uma afronta
ao verdadeiro significado da Natividade, cujo significado é Deus que se fez um
de nós naquela criança frágil, Jesus de Nazaré. Deus se fez criança e em toda
criança se encerra uma promessa, um projeto de vida, uma utopia, um sonho, uma
fantasia. No Menino-Jesus, a promessa, o projeto de vida, a utopia, o sonho e a
fantasia é o Reino de Deus, com seu significado político-econômico-social, que mais
tarde foi anunciado pelo Homem adulto, Jesus de Nazaré.
O Reino de Deus
não exclui ninguém. E não venha você me contestar dizendo que o Reino de Deus é
no devir, depois da morte. No pós-morte é a plenitude deste Reino que já
começa, ou pelo menos deveria começar, aqui e agora.
Então Natal não é
somente uma poesia, uma simbologia, uma festa romântica de um menino-deus
distante, ou de um menino-deus-imagem de gesso deitada nos presépios da vida,
Natal é a inauguração do Reino de Deus pregado e vivido pelo Jesus adulto.
Lembre-se que, na
singeleza da cena Bíblica do Natal, os primeiros a receber anúncio da Boa-Nova
foram os pastores, umas das profissões desprezíveis da época, os pobres por
excelências da estrutura social do Império Romano e de uma Palestina submissa.
E foi a esses renegados e esquecidos que se deu a notícia do nascimento do Libertador.
Não nos esqueçamos que com o anjo, ao anunciar a Boa-Nova aos pastores, muitos
(uma multidão) de anjos vindos das hostes celestiais louvavam a Deus e diziam
“Glória a Deus nas alturas e, na terra, paz entre aqueles a quem Ele concede a
Graça”. Isso é muito diferente de “paz na terra aos homens de boa vontade”.
De boa vontade as
igrejas e até o inferno estão cheios! Não basta ter boa vontade. É preciso
fazer a Vontade de Deus para que Ele nos conceda a sua Graça. Foi assim com
Maria, a Mãe de Jesus (eis aqui a Serva do Senhor, faça-se em mim segundo sua
vontade) e foi agraciada com geração e gestação do Filho de Deus.
E não foi assim
com o jovem rico que se dizia observar todos os mandamentos de Deus (um homem
de boa vontade), porém, Jesus lhe diz para vender todos os seus bens e
distribuir aos pobres de depois segui-Lo, e o moço de boa vontade entristeceu
porque era senhor (dono) de muitos bens e não pretendia renunciar a sua riqueza!
Esse Jesus Libertador, em primeiro lugar e Salvado do Mundo, quer nascer em nossos corações e mentes. Para isso não basta uma adoração abstrata do Menino Jesus nos Presépios por aí. Como disse um místico poeta cristão do século XVII: "Nasça Cristo mil vezes em Belém e não em teu coração: estás perdido para o além, nasceste em vão." Ou, “Mesmo que o Cristo nasça mil vezes em Belém, se ele não nascer em ti, tua alma continuará desamparada (Angelus Silesius)[9]. É preciso gestar Jesus em nossos corações e mentes para que Ele, de fato, nasça em nossas vidas!
FELIZ NATAL!
*ANTONIO SALUSTIANO FILHO, militante das
CEBs e dos movimentos sociais libertários.
Bibliografia.
BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo
possível, vol. III: comer e beber juntos e viver em paz, Petrópolis-RJ,
2006.
PAPA FRANCISCO. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html, acesso em 07.12.2021.
[1]SILESIUS, Angelus. In: https://www.pensador.com/frase/MTc4NDQ3NA/ acesso em
https://www.brasildefato.com.br/2016/12/22/fatos-curiosos-da-historia-or-de-onde-surgiu-papai-noel
[1]
In: https://www.pensador.com/frase/MTc4NDQ3NA/
[1] “O Papai Noel teve origem em São Nicolau, um bispo
católico do século IV que viveu na cidade de Mira, onde atualmente é a Turquia.
Ele é lembrado como um homem bondoso que presenteava as crianças no dia de seu
aniversário, 6 de dezembro. Com o passar do tempo e as variações em torno
da lenda, a data acabou mudando para o 25 de dezembro.” (BRASIL DE FATO)
[2] No
outro artigo, talvez para ano que vem, vamos falar do costume e tradição de se
dar presentes.
[3]
CONFRARIA DE SANTO ONOFRE, entidade sagrada e profana fundada pela(os)
militantes das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs do Brasil, onde se juntam
para o banquete da alegria e felicidade confrades e confreiras (mulher
pertencente à confraria) que, animado(a)s pelo combustível da festa (o líquido
precioso), extravasam o amor, a fé e a esperança na transformação do mundo no
Reino de Deus.
[4] Em
outro artigo vamos falar sobre a comensalidade.
[5]
BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo possível, vol. III: comer e
beber juntos e viver em paz, Petrópolis-RJ, 2006.
[6] Idem,
ibidem.
[7] Idem,
ibidem.